Sentinela
Entra-me o verde, ora suave, ora intenso, de
manhã pela janela.
Deixo que a brisa pouse em mim enquanto
observo o pássaro de sentinela.
Quando, enfim, me recolho, inunda-se a casa
de luz e harmonia,
Completa-se o ar com sapiência, virtude e
alegria.
Estarei então solenemente pronta para
começar o dia,
Para sair daquele castelo-casulo da
Mãe-Natureza,
Para me sentir absorvida pelo corre-corre
que nos guia?
Na cidade, esperam-me os bêbedos matutinos
com a sua aspereza,
As mulheres a braços com a vida e as contas,
com os filhos e os trabalhos,
Absortas entre os
apitos e as buzinas, os olhares vagos e os enxovalhos.
Cruzo-me com o cinzento, a bruma de chumbo,
a água podre do rio que secou,
Vejo pouco quando tudo me prometeram mas
pouco ou nada restou.
Ainda cedo, caminho na escola, decidida e com
agrado.
Deambulo entre rostos que, como eu, têm o
futuro hipotecado!
Dança-me o medo e a incerteza no corpo
durante o resto do dia.
Rendo-me à voracidade das horas que me
sorvem com ousadia.
Sacio então a fome, sentada num banco do
jardim.
Chega-me o cheiro reconfortante de uma
refeição caseira
que me transporta para casa, ninho, colo, abraço
sem fim,
para um mundo onde a felicidade é certeira.
Ai! A brisa fria
obriga-me a regressar à lúgubre realidade.
É chegada a hora de me render ao negrume que
se adensa.
Vislumbro a casa daqueles que juraram
castidade
E, em bom rigor, tão depressa a deixaram
suspensa.
Regresso extenuada, esvaída de esperança.
No horizonte, perfila-se um diabólico rasto
vermelho ao fim do dia,
Abandonaram-me a força, o viço, o fulgor e a
segurança.
Sou agora um resto de mim, sombra negra,
noite fria.
Dobro-me sobre mim, aguardo impaciente
por uma salvação deste vórtice que me
continua a mortificar,
e me remete para uma morte iminente
porque só assim encontrarei repouso e ânimo
para aqui continuar.
Adriana Pereira, N.º 1, 12ºA