(publicada por Romana Borja Santos, em 17 de
Dezembro de 2016, 0:02)
Em Porto de Mós
a escola torna a “fraqueza da ruralidade uma força”
A terceira escola do país com uma média
mais elevada nos exames do secundário está "entre montanhas" no
distrito de Leiria. Quem aqui estuda e trabalha assegura que a exigência dos
professores e o desejo de ter uma vida melhor são os ingredientes do sucesso.
Quando atende o primeiro telefonema com a notícia de
que a Escola Secundária de Porto de Mós é a terceira melhor instituição pública
do país, Telma Cruz não consegue esconder a alegria. “Eu sabia, eu sabia que os
nossos meninos tinham tido resultados muito bons. Isto é como um euro milhões
que nos saiu. Há muitos anos que trabalhamos para este sucesso”, garante Telma
Cruz, professora de Matemática nesta escola do distrito de Leiria e também
membro da direção do agrupamento. A docente admite que os rankings são apenas
uma das formas de avaliar o que as escolas fazem. Nem sempre justa. Mas insiste
que, no caso de Porto de Mós, “uma vila entre montanhas”, esta é uma prova
importante de que a ruralidade pode afinal ser um ponto a favor dos alunos.
“O resultado
foi uma surpresa enorme”, confirma Mariana Nogueira, 17 anos, aluna do 12.º
ano. Mas garante que, já antes dos rankings, “sentia que estava numa boa
escola”. “Esta escola é a nossa única opção [na zona], mas é exigente a nível
dos professores e dá-nos as coisas de que precisamos e procuramos. O facto de
nem todas as pessoas terem a mesma condição económica faz com que os alunos
criem mais objetivos e queiram ter bons resultados para terem um futuro
melhor”, explica a estudante. “O nosso lema educativo é ‘Consigo… fazer mais,
fazer melhor’. Consigo no sentido de alcançar e consigo no sentido de contigo”,
lembra Telma Cruz.
Alice Paulo, da mesma idade e do mesmo ano de Mariana,
concorda que “ambicionar a perspetiva de um futuro melhor motiva para melhores
resultados”. Enquanto aluna, atribui muito do sucesso às aulas de apoio e
oficinas suplementares que a escola disponibiliza para os alunos, mas também a
outras experiências extracurriculares que ajudam a compreender a matéria e a
aproximar Porto de Mós dos grandes centros urbanos. Nesta escola os testes ao
longo do ano seguem o formato dos exames.
Desejo de superar dificuldades
“Em Português sempre que damos uma obra vamos
ver uma peça de teatro e isso ajuda a compreender”, prossegue Alice. “Os miúdos
aqui não têm acesso à informação da mesma forma. Nota-se a ruralização, mas os
resultados demonstram a curiosidade dos alunos e o desejo de superar
dificuldades. Muitas vezes, transformamos a fraqueza da ruralidade numa força”,
remata Helena António, professora de Português do 12.º ano, que considera
“ainda mais motivador” trabalhar com estes jovens, que “já nem um cineteatro”
têm na vila.
O diretor do Agrupamento de Escolas de Porto de Mós,
Rui Almeida, confirma que a exigência e a estabilidade do corpo docente têm
permitido fazer um trabalho contínuo com os estudantes e com os pais – muito
presentes. Mas não esconde que “a massa humana faz a diferença”. “Estes
resultados devem-se sempre à qualidade dos alunos. Há anos com alunos mais
interessados, outros menos”, acrescenta. Neste ano o ranking coloca-os como a
terceira escola pública do país com notas mais elevadas nos exames do
secundário realizados em 2015/2016. Contando com as instituições privadas,
estão na 44.ª posição.
Tendo em consideração o contexto socioeconómico
bastante desfavorável da vila, as estimativas apontavam para que estes alunos
tivessem notas inferiores. Contrariando as expectativas, Porto de Mós ocupa
também um lugar cimeiro no chamado “ranking do sucesso”, que avalia a proporção
de alunos que conseguem passar no 10.º e no 11.º anos e ter positiva nos exames
finais do 12.º. Isto, quando um terço dos alunos do secundário e mais de metade
dos do básico frequentam a escola com apoio do Estado devido aos baixos
rendimentos das famílias.
Falta de aquecedores
Rui Almeida reconhece que, tendo em consideração as
características da população que servem, este é um resultado que merece mesmo
ser destacado. “Estamos numa zona rural em que a escolaridade dos encarregados
de educação anda em média pelos sete anos”, lembra. Aqui, as dificuldades ainda
estão em coisas muito básicas: no Inverno “faltam aquecedores e alguns alunos
precisam de trazer mantas”, conta, enquanto circula pela escola, dispersa por
vários pavilhões, o que obriga a andar ao ar livre para mudar de sala. A
distância de casa à escola é outro problema. Com a falta de transportes, muitos
alunos chegam de madrugada e regressam a casa já ao anoitecer.
O diretor da escola assegura que trabalham focados nos
exames, mas sem deixar de “apostar” nos alunos logo desde o primeiro ciclo.
“Introduzimos o Inglês no primeiro ciclo antes de ser obrigatório e
implementámos o projeto-piloto da disciplina de Programação no primeiro ciclo
logo em todas as turmas”, exemplifica. E observa: “Não temos as coisas à porta,
mas deslocamo-nos para proporcionar aos alunos oportunidades e compensar a
distância a que estamos dos grandes centros.” No ano passado até conseguiram
que os alunos representassem o distrito de Leiria na iniciativa Parlamento dos
Jovens, organizada pela Assembleia da República.
Adepto das novas tecnologias, o diretor diz que a
escola tem tentado também aproveitar algumas inovações para melhorar o
desempenho dos alunos. Como? Os sumários já são eletrónicos e pais e alunos
podem consultar a informação à distância. Na biblioteca também têm organizado
formações relacionadas com a pesquisa de informação fidedigna na Internet, para
que possam apresentar trabalhos melhores nas várias disciplinas.
“Temos professores que realmente puxam muito por nós e
nem sempre é fácil. Mas no fim sabemos reconhecer que o trabalho é recíproco e
que tem repercussões nas avaliações”, acrescenta Gonçalo Ferreira, de 17 anos,
colega de Mariana e de Alice. Gonçalo admite que tinha “subestimado” a
capacidade da escola. Mas agora, olhando para trás, percebe que têm vários fatores
que ajudam ao sucesso da escola: “Os professores estão disponíveis até na
biblioteca para tirar dúvidas. Há uma exigência muito grande, mas também muita
proximidade. Trabalhamos muito em grupo, somos alunos muito unidos.”
Um “grupo para a vida”
Os pais confirmam o “grupo para a vida” que a escola
ajuda a formar. Delfina Rosário é mãe de Margarida Rito, que frequentou no
último ano lectivo o 12.º ano. Marco Sousa é pai de Sara Sousa, que foi colega
de Margarida. A primeira está em Lisboa a tirar Ciências Farmacêuticas, a
segunda Gestão de Marketing. Cinco antigas estudantes da Secundária de Porto de
Mós partilham a mesma casa em Lisboa neste ano como caloiras. Uma casa que
fizeram questão de alugar apenas depois de saberem que nenhuma das cinco tinha
ficado de fora da universidade.
“Vivemos numa região que permite educar os filhos no
mesmo grupo escolar durante todo o percurso. É um grupo com elos muito fortes.
Eram 30 na mesma turma e que se davam sempre muito bem. Há uma competição sã
baseada na amizade e transformam-se os objetivos pessoais em objetivos de
grupo”, sintetiza Marco Sousa, que tal como Delfina Rosário foi no passado
aluno da escola. “Mas eram tempos muito diferentes. Agora os alunos e
professores são quase família.”
“O trabalho que
se desenvolve nesta casa não me surpreende. Há um corpo docente estável, muito
empenho e motivação e essas coisas refletem-se no trabalho dos alunos. A escola
aproxima muito as pessoas e estabelece uma relação muito próxima entre
professores, alunos e pais. Quase que sabemos de antemão quem vão ser os
professores dos nossos filhos no próximo ano”, completa Delfina, que lembra que
até nas aulas de apoio facultativas os pais podem saber se os filhos optaram ou
não por comparecer. “Segurança” é a palavra mais usada por esta mãe para se
referir àquilo que a escola lhe transmitiu durante os anos em que a filha aqui
andou.
Marco Sousa espera que as notícias sobre os resultados
nos rankings ajudem a reabilitar as instalações que somam 40 anos e a mudar a
forma como o Governo decide onde investe. Ao mesmo tempo, admite que este êxito
demonstra que as pessoas pesam mais nos resultados do que as salas modernas. “O
que conta são as pessoas e não tanto as instalações. Existe uma política a
nível nacional de promover as escolas privadas em detrimento das públicas,
pensando-se que as públicas são uns dinossauros da educação. Porto de Mós é a
prova de que isso não é assim. Os resultados refletem as pessoas.”
In Jornal "Público" de 17 de dezembro de 2016
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