Ontem foi dia de estar com as nossas mães,
Hoje queremos deixar aqui um poema de Miguel Torga.
CANÇÃO PARA A MINHA MÃE
E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!
E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!
Terra lavrada e
quente,
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente sem calor!
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente sem calor!
Ias, resignada,
apodrecer
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais!
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais!
Mas eu vim,
deusa desenganada!
Vim com este condão que tu conheces,
E toquei essa carne macerada
Da vida palpitante que mereces!
Vim com este condão que tu conheces,
E toquei essa carne macerada
Da vida palpitante que mereces!
Porque tu és a
Mãe!
Pariste um dia aos gritos e aos arrancos,
E parirás ainda pelo tempo além,
Mesmo ser madre e de cabelos brancos!
Pariste um dia aos gritos e aos arrancos,
E parirás ainda pelo tempo além,
Mesmo ser madre e de cabelos brancos!
És e serás a
faia que balança ao vento
E não quebra nem cede!
Se te pediu a paz do esquecimento,
Também a força de lutar te pede!
E não quebra nem cede!
Se te pediu a paz do esquecimento,
Também a força de lutar te pede!
Respira, pois,
seiva da duração,
Nos meus pulmões até, se te cansaste;
Mas que eu sinta bater o coração
No peito onde em menino me embalaste.
Nos meus pulmões até, se te cansaste;
Mas que eu sinta bater o coração
No peito onde em menino me embalaste.
(S.
Martinho de Anta, 13 de julho de 1946)
– Miguel Torga, do (‘Diário III’), em “Diário. Vols. I a IV”. 5ª ed., Lisboa: Dom Quixote, 1999.
– Miguel Torga, do (‘Diário III’), em “Diário. Vols. I a IV”. 5ª ed., Lisboa: Dom Quixote, 1999.
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