domingo, 1 de maio de 2022

Poema à Mãe


 Mãe:

Que desgraça na vida aconteceu,

Que ficaste insensível e gelada?

Que todo o teu perfil se endureceu

Numa linha severa e desenhada?

 

Como as estátuas, que são gente nossa

Cansada de palavras e ternura,

Assim tu me pareces no teu leito.

Presença cinzelada em pedra dura,

Que não tem coração dentro do peito.

 

Chamo aos gritos por ti – não me respondes.

Beijo-te as mãos e o rosto – sinto frio.

ou és outra, ou me enganas, ou te escondes

Por detrás do terror deste vazio.

Mãe:

Abre os olhos ao menos, diz que sim!

Diz que me vez ainda, que me queres,

Que és a eterna mulher entre mulheres.

Que nem a morte te afastou de mim!

 

Miguel Torga, in Diário IV

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