sexta-feira, 10 de abril de 2015

Visita de estudo a Mafra permite aos estudantes ver o Memorial «por dentro»




«Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos…». Assim o diz D. João V no primeiro capítulo de Memorial do Convento, uma obra que, quando publicada nos idos de 1982, mereceu o apreço não só do público como também da crítica, e que, hoje, integra o plano curricular da disciplina de Português do 12º ano. O título do romance remete-nos desde logo para aquela que é a primeira linha de ação da narrativa – a construção do Convento de Mafra –, a qual motivou a realização de uma visita de estudo, no passado dia 19 de março, permitindo uma abordagem in loco da obra.
Foram selecionadas duas das atividades contempladas pelo serviço educativo do Palácio Nacional de Mafra: por um lado, o espetáculo teatral Memorial do Convento, realizado pela ÉTER Produções, que leva a palco a ação (e a emoção) do romance homónimo; por outro, uma visita guiada ao Palácio, durante a qual se contextualizou historicamente a época de construção do Convento.

                             

Ditado pela caprichosa ambição de D. João V, o Real Convento de Mafra é o mais importante monumento do barroco português. A direção da obra foi atribuída ao alemão João Frederico Ludovice, que, apesar de ourives, tivera formação de arquitetura em Itália. Em termos arquitetónicos, o edifício desenvolve-se simetricamente a partir de um eixo central, a basílica, ponto principal de uma longa fachada ladeada por dois torreões (o do Norte destinado a Palácio do Rei; o do Sul, à Rainha), ligados por uma galeria de 232 metros (o maior corredor palaciano da Europa!). Os bolsos largos do rei permitiram que o projeto original fosse alvo de sucessivos alargamentos e de treze passou para trezentos o número de frades albergados.
As obras iniciaram-se a 1717, ano do «lançamento» da primeira pedra, e teriam forçosamente de terminar a 22 de outubro de 1730, o que não é, de todo, aleatório: por exigência religiosa teria a sagração da basílica de ocorrer a um domingo; por exigência real, no dia do quadragésimo-primeiro aniversário do rei.  
                De entre as dificuldades na construção do convento, situado no Alto da Vela, destaca-se o transporte da chamada «mãe da pedra» de Pero Pinheiro a Mafra. No carrego desta gigantesca pedra de mármore, foram necessárias duzentas juntas de bois e seiscentos homens, saga epopeica que Saramago descreve ao longo de largas páginas. É neste ponto, aliás, que a edificação do convento assume um cariz simbólico: é o povo, enquanto personagem coletiva, que surge elevado à esfera da valorização mítica.
                No entanto, Memorial do Convento transcende largamente o plano da realidade histórica, havendo todo um caleidoscópio de enredos diversos que sublimemente se entrecruzam, como bem evidencia a encenação teatral. É o caso da história de amor de Baltasar Sete-Sóis, soldado maneta, e Blimunda Sete-Luas, que, em jejum, consegue ver «por dentro» das pessoas. Em paralelo, há ainda o alegórico projeto da construção da passarola, engenho que voará movido literalmente pela força das vontades dos homens, e que radica na crença subversiva do Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, a quem chamam «o Voador». De resto, é em torno desta espécie de Santíssima Trindade – Baltasar, Blimunda e o padre Bartolomeu – que a ação do romance orbita.
                O desafio que (nos) é proposto nestas páginas é o da construção – do convento, da passarola, do sonho e da vontade. Ao leitor não restam dúvidas: «o homem, primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará».

Diana Venda

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