sexta-feira, 7 de abril de 2023

Deambulando - 12.ºA 5

Vila “Forte”



Toca a sirene; é o meio-dia anunciado

Nas ruas da Vila Forte.

Caminham os idosos de braço dado,

olhar atento e casaco abotoado,

passo lento que foge à morte.

 

Debaixo do céu baço de outono,

estiram-se as pernas no café:

corpos moles e olhares de sonos,

sorrisos leves e postos ao abandono,

encaram a gente que vai a pé.

 

Passo pela senhora da limpeza,

que lixo e folhas tem recolhido.

Digo-lhe “bom dia” para sua surpresa,

que estes não são hábitos desta nobreza,

que traz o tronco reto e o queixo erguido.

 

Atento bem nas suas vestimentas,

tom verde seco da natureza morta,

que sobre as suas ancas opulentas

e as suas expressões desalentas,

a igualam ao caixote que transporte.

 

E esta unidade que vejo,

lembra-me repentinamente uma discreta tartaruga,

que, no seu monótono manejo,

parte em busca de um qualquer desejo,

numa lenta e humilde fuga.

 

As suas faces são mais pesadas,

o caixote é agora a carapaça.

E as folhas, outrora abandonadas,

são as suas únicas cores variadas,

tal é o quotidiano de desgraça.

 

No vulgar sufoco da Sá Carneiro,

misturam-se os carros com as gentes.

Empoleira-se, livre, o jardineiro,

enfada-se o lojista o dia inteiro,

conversam à porta os maldizentes.

 

Pelo passeio os senhores de fato

emanam um odor enjoativo,

denunciam o perfume barato,

concordante com o seu ar caricato,

disfarçado no seu modo altivo.

 

 

 

Do mercado saem de mãos vazias

os muitos súbditos da inflação.

E eu olho as escassas alegrias,

as normais, tristes correrias,

certa de que ninguém é totalmente são!

 

 

E diante das torres verdejantes

que do alto vigiam a nação,

pergunto-me se nós, mentes ignorantes,

frágeis, aprisionados habitantes,

teremos alguma salvação!

 

Constança Marques, N.º 5, 12.ºA

 

 

 


 

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