Vila “Forte”
Toca a sirene; é o meio-dia anunciado
Nas ruas da Vila Forte.
Caminham os idosos de braço dado,
olhar atento e casaco abotoado,
passo lento que foge à morte.
Debaixo do céu baço de outono,
estiram-se as pernas no café:
corpos moles e olhares de sonos,
sorrisos leves e postos ao abandono,
encaram a gente que vai a pé.
Passo pela senhora da limpeza,
que lixo e folhas tem
recolhido.
Digo-lhe “bom dia” para sua surpresa,
que estes não são hábitos desta nobreza,
que traz o tronco reto e o queixo erguido.
Atento bem nas suas vestimentas,
tom verde seco da natureza morta,
que sobre as suas ancas opulentas
e as suas expressões desalentas,
a igualam ao caixote que transporte.
E esta unidade que vejo,
lembra-me repentinamente uma discreta tartaruga,
que, no seu monótono manejo,
parte em busca de um qualquer desejo,
numa lenta e humilde fuga.
As suas faces são mais pesadas,
o caixote é agora a carapaça.
E as folhas, outrora abandonadas,
são as suas únicas cores variadas,
tal é o quotidiano de desgraça.
No vulgar sufoco da Sá Carneiro,
misturam-se os carros com as gentes.
Empoleira-se, livre, o jardineiro,
enfada-se o lojista o dia inteiro,
conversam à porta os maldizentes.
Pelo passeio os senhores de fato
emanam um odor enjoativo,
denunciam o perfume barato,
concordante com o seu ar caricato,
disfarçado no seu modo altivo.
Do mercado saem de mãos vazias
os muitos súbditos da inflação.
E eu olho as escassas alegrias,
as normais, tristes correrias,
certa de que ninguém
é totalmente são!
E diante das torres verdejantes
que do alto vigiam a nação,
pergunto-me se nós, mentes ignorantes,
frágeis, aprisionados habitantes,
teremos alguma salvação!
Constança Marques, N.º 5,
12.ºA
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